Princípios de Educação Clássica – Futuro da Educação Moderna (PARTE II)


 

Cristo é a causa modelo da humanidade. Tal afirmação, que se pode encontrar na suma de Santo Tomás, não deixa de ser o palco de uma antiga discussão entre scotistas e tomistas: “se o homem não tivesse pecado, teria Cristo se encarnado?” A questão não é tão simples como parece, o próprio doutor Angélico não oferece uma resposta plenamente negativa a questão, apenas nota que a queda é a causa da vinda de Cristo e imaginar outras causas não é o trabalho próprio da teologia, senão unicamente como um certo modo especulativo.

Ainda assim, não é absurda a posição dos seguidores de Duns Scott, afinal Adão, mesmo que constituído com ciência infusa e graça, um dom preternatural e outro sobrenatural, pela própria natureza se constituía em ser infinitamente inferior a Deus, pelo que, através da contemplação, poderia alcançar ainda uma caridade e um mérito maiores, obtendo, após a prova, a salvação.

Assim, a encarnação de Cristo não seria um ato inútil para o homem em estado de graça. Seria ainda um ato soberbo de caridade – o próprio Deus encarnado para elevar ainda mais o homem, demonstrá-lo a perfeição de sua natureza na plenitude da graça, um ideal real e possível de ser alcançado pela amizade com Deus.

Mas a verdade é que não precisamos elocubrar a respeito de encarnações possíveis. Cristo se encarnou efetivamente, e a natureza do homem está decaída, e isto basta como razão de ser para a necessidade de um modelo, pois o homem decaído, com maior razão, tem necessidade de Cristo para alcançar o apogeu de suas faculdades. Esse artigo, portanto, deve versar sobre dois pontos essenciais do ponto de vista educacional: a crença da realidade da queda e Cristo como remédio eficaz da inteligência e de todas as faculdades humanas. Vejamos:

I. A Queda do Homem

Não é novidade o sem número de ideias heréticas que tentam atacar justamente este dado de Fé: todos nascemos de um mesmo pai, Adão, que pecou. A consequência deste pecado foi a perda da graça, da amizade divina, e consequentemente a impossibilidade de aceder ao paraíso – que é justamente o fim último do homem. Eis aqui descrito o pior dos males metafísicos, pois o homem se torna incapaz da felicidade plena, já que se encontra frustrado quanto ao acesso do bem maior pelo qual é homem – sua similaridade divina e capacidade de possuir a Deus e gozá-lo no paraíso. Mas não termina aí o relato de nossas desgraças! É certo que a natureza mesma se rebela contra o homem, e essa natureza humana, jamais criada fora do desejo central de servir e possuir a Deus, arrancada de sua parcela sobrenatural que lhe capacitava para este fim, termina ferida.

Ao transmitir sua natureza à humanidade, portanto, Adão não transfere sua culpa, mas transfere essa natureza decaída e sem o auxílio da graça. Essa é a natureza que importa educar, levá-la novamente a possibilidade de seu último fim, o que importa necessariamente na ação da graça.

Contra essa verdade levantaram-se todos os pensadores de um passado idílico em que o homem natural, naturalmente bom, existia com o único fito de gozar de seus bens nesta terra, pelo que terminou por fazer um contrato geral com seus semelhantes, a fim de garantir a paz e a prosperidade. Nada mais falso! Tal homem em estado puro de natureza nunca existiu, e o próprio fato de ter decaído do estado sobrenatural em que foi criado, causou efetivamente a ruína desta natureza. E isso é evidentíssimo, fácil de se perceber: o homem percebe claramente que tem uma tendência natural à procrastinação, que lhe é difícil a liberalidade ou a execução do bem desinteressado – o homem percebe que age por interesse, egoísmo e lucro, e que mesmo o bem de que é capaz, não é fácil de permanecer nele. Mas apesar desta constatação de miséria, o homem compreende que há um bem maior, que há bens pelos quais vale dar a vida, que há uma virtude e um patamar ulterior a quepode aspirar. O homem nunca deixou de admirar aos outros homens que alcançaram esses patamares, e nunca deixou de elevá-los em consideração como modelos a serem seguidos.

Mas se é verdade que essa decadência é facilmente percebida, não deixa de ser verdade também que é difícil entender como somos exatamente afetados por elas. Eis o que a sabedoria da Igreja foi recolhendo com o tempo:

São quatro as feridas causadas pelo pecado e que correspondem exatamente às faculdades do homem. O homem é animal racional, e isto quer dizer que como todo animal, o homem é governado por seus apetites: concupiscível e irascível, mas sua alma imortal ilumina esses apetites através da inteligência e da vontade livre. A essas 4 potências correspondem respectivamente as seguintes feridas: concupiscência, debilidade, malícia e ignorância. E para cada uma dessas potência corresponde também uma virtude cardeal: temperança, fortaleza, justiça e prudência. Vale também notar que é sobre essas mesmas potências que vão se assentar nosso organismo espiritual: virtudes teologais, dons do Espírito Santo, etc.

É preciso, no entanto, entender um pouco de como funcionam os atos humanos e suas paixões – ou seja, seus movimentos naturais em direção ao bem; de sorte, que a compreensão desses fatores, e mais ainda seu resgate, retomaria à educação seu brilhantismo. Hoje em dia, a educação moderna parece querer educar a computadores: ensinam um sem número de informações e esquemas mais ou menos precisos de como processá-los e calculá-los, falando muito pouco sobre a natureza, o fim e a correção necessária de suas tendências.

Para resgatar essas noções importa, sobretudo, olharmos para a diferença específica do homem, que bem define nossa natureza: somos racionais. Isto quer dizer que toda ação humana parte do conhecimento, e nisto vai uma série de condições que não interessam ao presente momento, mas que retomaremos no futuro, quais sejam: a apreensão sensível, a intelecção, a compreensão, o modo discursivo do raciocínio, etc. O que importa é que através do conhecimento há a abertura para o ser, e numa alma bem formada há a contemplação, que é como antecipação da visão da glória, mas em grau infinitamente inferior. A ideia produzida, de fato, descansa o intelecto e excita a vontade a buscá-la. E a grande dificuldade da vontade, que nesse século depende da mutabilidade humana, é firmar-se. E, principalmente, firmar-se colocando em ordem a miríade de bens que se apresentam ao intelecto, e que forma a escala do amor, porque essa ordenação exige muitas vezes esforço, movimento do apetite irascível que busca o bem árduo, e deleite, movimento do apetite concupiscível, que busca o descanso no bem deleitável.

Acrescente-se a esse amálgama conflituoso as diversas paixões que brotam da alma humana diante do bem que o intelecto lhe apresenta e a vontade deseja: se o possui, ele detém o gozo, mas se o perde, advém a tristeza; a não ser que se tenha apresentado a ocasião de perdê-lo, ele padece o medo, mas se há fundada possibilidade de recuperá-lo, esperança. Assim, todas as paixões compõem essa intrincada orquestra, onde o amor é o maestro, porque faz tudo depender de uma decisão racional e irrevogável. Mas, que grandes dificuldades! A ignorância faz que o homem se engane do bem ou da ordem que o bem deve ter, e ainda quando reconhece esse bem, a malícia o faz preferir o mal objetivo, porque a debilidade não lhe permite ter forças para sustentar seu caráter, ou porque a concupiscência o frustra no deleite sensível, escravizado e rebaixado de sua condição espiritual.

A educação parece impossível a uma natureza que não é capaz de se sustentar em sua ordem, mas Deus é bom o tempo todo e logo apresentou uma solução, elevando a virtude de seu aspecto meramente natural à economia da graça, permitindo que, por sua ação direta, o homem pudesse se sustentar no bem. Se a educação é elevar o homem ao seu estado de perfeição, ela não pode obter sua meta sem querer formá-lo para a santidade. E para isso, Deus fez com que o plano da redenção passasse por uma via especialíssima, que é a Encarnação. Se a segunda pessoa divina assume uma segunda natureza, esta não pode estar senão em seu estado perfeito, na plenitude da graça, e na ordem exata da reta razão. Daí, vê-se claramente que qualquer educação que ignore as feridas da alma do homem está fadada à frustração, porque desconhece os impedimentos do ofício. E, igualmente, aqueles que desconhecem a verdadeira Fé, desconhecem também os remédios eficazes para sanar os vícios.

 II. Cristo, a Sabedoria de Deus.

Cristo é a própria revelação, tudo o demais que antecede e segue tem a Ele por fim e ápice. Essa afirmação está longe de cair em erros já condenados pela Igreja, como o de afirmar que não há uma doutrina revelada, e que a única verdade do Evangelho é a pessoa de Cristo. Mas trata-se de colocar a questão em termos precisos e exatos: todas as verdades reveladas participam da realidade da Encarnação, porque Deus se fez homem para comunicar aos homens sua vida divina. E Cristo é a cura das feridas da alma, não só pela graça que ele recupera na Cruz, mas porque todos os seus atos sobre a terra santificaram os atos dos homens.

Se por um lado vemos que ao ser batizado Ele institui o sacramento do Batismo, santificando a água como matéria eterna deste excelso sacramento; por outro vemos ao mesmo Jesus dormindo, divertindo-se, comendo, visitando amigos, discursando, ensinando, crescendo em sabedoria e graça, obediente aos pais, zeloso dos preceitos, trabalhando e rezando. Nosso Senhor quis viver a vida dos homens para santificar cada um de seus atos, atos que são banais, mas fazem parte desta vida terrena e que podem ser meritórios quando acompanhados da graça. A vida simples e comum ganha aspectos de grandeza porque o próprio Deus viveu essa vida comum por pelo menos os 30 anos anteriores ao seu extraordinário ministério, de modo que em Nazaré se surpreendiam de ser esse “grande profeta” o filho de José, o carpinteiro.

Mas há razões ainda mais profundas pelas quais o Messias é a cura de nossas feridas, a começar pela razão de que Nosso Senhor é a cura para nossas inteligências. 

Ensina-nos, a Sã Doutrina, que Nosso Senhor detinha 4 modos de conhecimento: um conhecimento dito natural, outro dito conhecimento beatífico, um terceiro por ciência infusa e, por fim, um conhecimento divino. E esses conhecimentos não são contraditórios entre si, mas são proporcionados e ordenados de modo a responderem à dupla natureza e informar nos graus próprios ao intelecto de Nosso Senhor. Assim que, como Deus Ele conhecia tudo plenamente e a si mesmo, enquanto como homem, detinha a visão beatífica dos bem-aventurados, porque sua alma estava unida a divindade, e nela conhecia todas as coisas. Mas não só conhecia todas as coisas em Deus, como pela ciência infusa, conhecia todas as coisas conforme a imagem de seu intelecto, e por fim, conhecia humanamente, de modo experimental.

Embora para os homens esse conhecimento divino é impossível, estamos todos destinados à Visão Beatífica como ao nosso fim último, de modo que esse conhecimento nos está prometido, e é por vezes antecipado em grau menor pela habitação do Espírito Santo na alma do batizado. Por seus dons é possível que, uma vez na via unitiva, haja certo conhecimento infuso, e por último, desses dois conhecimentos, deve beber o conhecimento natural do homem, de modo ordená-lo ao seu fim último, ordenando assim também o seu ser.

É na cura das nossas inteligências que está a raiz do nosso bem agir. Não é preciso descer muito em tratados da conduta humana para compreender que todo silogismo prático advém de uma premissa apodítica, as vezes produto de um silogismo propriamente científico. À parte os meios de síntese e análise, excelentes ferramentas humanas para desvendar a natureza, contamos sobretudo com o auxílio da graça para compreender, na nossa medida, o próprio Deus, que é o Ser por excelência, da qual todos recebemos a existência, pela qual nossas essências são pensadas e medidas. A falta dessa elevação do que deve ser a ação de conhecer, aprender, estudar, em última palavra, contemplar, é a principal causa de não sabermos o rumo que devemos tomar quanto a educação dos jovens e dos homens.

A perda desse alto patamar de conhecimento se deve a perda do modelo. Não é preciso ir muito longe e compreender que se, por exemplo, a psicologia hoje não encontra um único e preciso ideal de sanidade, é porque já não tem o modelo do homem são. O homem é a medida de todas as coisas, dizia um antigo grego; eis o homem, disse Pilatos, com uma profundidade insuspeita dele mesmo. Cristo é a resposta para todas as faltas humanas, é o elo perdido que explica nossas lacunas. Buscá-lo é servi-lo, encontrá-lo é encontrar a felicidade, porque é encontrar o bem da nossa alma, da nossa inteligência e da nossa vontade.

Assim, se queremos que essa graça atue de modo mais efetivo em nossa alma, devemos imitar a Cristo.

Mas, estabelecer a Cristo como o modelo do homem perfeito nos dá respostas sobre onde devemos chegar, mas só começa a esclarecer o caminho que devemos trilhar. E se é claríssimo o fim e o modelo; não é assim como o caminho, pois os homens têm, dentro de todos esses anos, testado diversos métodos de ensino, acrescendo ao patrimônio cultural uma miríade de técnicas pedagógicas e modelos de educação. Essa parte da educação, que é sua parte mais artística e mais humana, depende do nosso engenho, e veremos na parte seguinte dessa grande conversa um pouco sobre o método a ser usado na educação, já nos preparando para a conclusão que será: apontar um caminho seguro para a recuperar a educação moderna. Espero vocês por lá!

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